terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O Corvo


"O sol me acordou. Levantei cedo para um sábado. Chuviscou um pouco e subiu aquele cheirinho de verde. Os pássaros estavam cantando quando eu comecei a morder uma maçã. Cortei duas laranjas pra fazer um suco. Guardei as sementes para plantar depois. Comecei a desenhar descontraído, não sabendo ao certo aonde eu queria chegar. Acabei desenhando um corvo grande  no galho de uma árvore. O corvo saiu do meu caderno e começou a voar. E quanto mais ele voava, maior ele ficava. Saiu voando pela janela em direção ao mar. Voltou um minuto depois pousando na janela de onde tinha saído e olhou na minha direção como se estivesse esperando algo de mim. Eu fiquei ali estupefato olhando a cena sem pensar em nada. E ele começou a falar com a voz de um homem. Me fez uma pergunta com a maior naturalidade. Respondi dizendo que meu pai tinha morrido em um acidente de helicóptero. Ele fez uma expressão curiosa e então dirigiu o olhar para o meu caderno. E como se tivesse entendido tudo, explicou que o desenho o fez surgir para dar conselhos. Muitas coisas passaram pela minha cabeça enquanto ele falava alguma coisa sobre os meus pais. Lembrei que eu nunca tinha desenhado um corvo. Apenas na minha infância. Meu pai era um exímio pintor. Mesmo que aquilo não desse nenhuma explicação àquela cena, eu comecei a entender. O corvo então lamentou pela morte do meu pai e pediu licença para dar uma volta. Estava ainda com as asas 'entravadas' (foram essas as palavras que ele usou). Saiu voando novamente. Continuei estupefato. Levantei e fui lavar o rosto, tomar uma água e continuei pensando em tudo isso. 'Será que eu estou sonhando?'. Não sabia o que fazer. Desejei muito que meu pai estivesse vivo e pedir explicações sobre aquilo. Minha mãe estava numa viagem internacional e sem internet. Comecei a rondar pela casa e verificar se o corvo estava chegando. Comecei a sentir um leve sono e me deitei na rede que havia na varanda. Cochilei imediatamente."

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

E Não Sobrou Nenhum - Agatha Christie

"Em meio à vida já a morte nos envolve"

Esse livro é simplesmente incrível.

Dez pessoas embarcam em um mesmo trem com o mesmo destino, mas não se conhecem. Todos receberam uma carta de "amigos" ou do "proprietário" para trabalharem ou passar um tempo em uma ilha chamada Ilha do Soldado.

Toda a mídia estava especulando sobre quem comprou a Ilha do Soldado, insinuando que foi alguma celebridade. Todos à bordo do trem estavam ansiosos sobre a Ilha do Soldado, principalmente porque estava em todos os jornais.

Todos também tinham algo em comum: já tinham cometido algum crime (menos um).

Eu não queria falar muito daqui em diante, porque pode estragar quaisquer surpresas. Mas indico fortíssimo a leitura. É muito instigante.

Existe dois ou mais filmes baseados nessa obra de Agatha Christie, mas não assisti ainda para recomendar ou não. 

Leia. E se você gostou, procure as obras cinematográficas também.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Hamlet - Shakespeare



Shakespeare é sempre incrível.

Quase todo mundo conhece aquela famosa frase "ser ou não ser, eis a questão" mas nem todos conhecem a obra.

Hamlet é o príncipe da Dinamarca que está de luto pela morte do pai, o rei.
A peça começa na esplanada do castelo com oficiais e soldados fazendo a guarda. E eles começam a comentar sobre o fantasma que aparece de vez em quando. Eles percebem que é o fantasma do rei, pai de Hamlet; e chamam Horácio, amigo de Hamlet para ver também a aparição.

Depois que Horácio conta ao seu amigo sobre a aparição do rei, Hamlet vai atrás saber se é mesmo o fantasma do pai ou não.

"Foge de entrar em briga; mas, brigando, acaso, faze o competidor temer-te sempre" 
Polônio

O fantasma revela que sua morte não foi acidente, e sim um assassinato. Seu próprio irmão Cláudio o matou enquanto dormia e casou-se com a rainha para ficar com o trono. Dessa forma, Hamlet tem a ideia de chamar atores para encenar a morte do rei para ver a reação do tio e da mãe (rei e rainha).


É dessa forma que ele descobre a verdade sobre a morte do rei da Dinamarca.

"Para a alma criminosa e feperjura, tudo anuncia alguma desventura. Tanto se agita o crime, em tal
enredo, que a si mesmo se trai, de puro medo"

Hamlet reflete sobre o fardo da vida, a existência e suicídio. É daí que sai a passagem:


Com "ser ou não ser, eis a questão", ele quer dizer "é melhor viver ou morrer?".

O rei e a rainha julgam a loucura de Hamlet e chamam dois amigos dele para levá-lo à França. Dessa forma, Hamlet finge estar louco e consegue armar para os dois amigos e não embarca com eles no navio com destino à França.

Hamlet descobre então a traição do tio e da mãe e também a lealdade do seu amigo Horácio, de ficar sempre ao seu lado.
A reação de Hamlet ao descobrir a traição da rainha é analisada por críticos como mente inconsciente. Hamlet mata sem querer Polônio, pai de Ofélia, achando se tratar de seu tio escondido no guarda-roupa da rainha. Eu achei a reação de Hamlet, perante a morte de Polônio, muito fria, quase como se ele estivesse entorpecido pela situação.

Uma das passagens que eu mais gosto, é o diálogo entre Hamlet e o coveiro. É nesta passagem que ele pega na caveira. A caveira de Yorick, "bobo do rei", de quem Hamlet conheceu em sua infância.

O coveiro, pra mim, é um dos melhores personagens da obra. Hamlet quando vê o coveiro jogar um crânio: "Tempo houve em que aquele crânio teve língua e podia cantar; agora, esse velhaco o atira ao solo, como se se tratasse da mandíbula de Caim, o primeiro homicida"
O coveiro está cavando a tumba de Ofélia, da qual morreu em delírio pela morte do pai Polônio. E Hamlet não sabe ainda da morte de sua amada. E tem o seguinte diálogo com o coveiro:





Após clamar pela vingança de seu pai Polônio, Laertes toma conhecimento por Cláudio, o rei, que Hamlet havia matado o seu pai. E aí o duelo é marcado. Mas o rei e Laertes tramam um "bote" pra matar Hamlet, banhando a faca de veneno. 



Mas, durante a batalha, a rainha bebe a taça que contem o veneno. Laertes fere Hamlet. E durante a luta, trocam-se as armas, e Hamlet acerta Laertes. Sua mãe desmaia e revela que tomou veneno. Enquanto Laertes morre, revela que o rei é o culpado. E dessa forma, Hamlet fere o rei e o obriga a tomar o veneno. O rei morre. Pouco depois Hamlet também jaz morto. 

"conhecermos bem uma pessoa, é conhecermos a nós mesmos"
Hamlet

Ofélia se distrai com sua dor.
Obra: A misteriosa morte de Ofélia (Detalhe de Millais, 1852)
Abre-se um tema religioso quando os coveiros discutem se ela merece enterro cristão por ter se suicidado.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

a secreta carta das gotas d'água aos humanos

"Quando nos enxergarem grudados nas vidraças, saibam que aí estamos"



O livro é isso mesmo, a secreta carta das gotas d'água aos humanos. Os Aquatérris e as Aquaterrálias, como são chamados as gotas, "narram" a carta "através" de José Sander.

A carta aborda principalmente questões ambientais como água, energia renovável, saneamento básico, poluição, rios, dejetos nos mares, camada de ozônio, reciclagem e também questões como drogas, família, comportamento humano, doação de órgãos e avanços na medicina.

Mas a questão mais abordada neste livro é um projeto chamado Programa 36 que consiste no plantio de mudas. Como é esse projeto? Cada pessoa ativa entre oito e noventa anos, plantaria, por dia, 36 árvores. "...uma caixinha de sarrafo, retangular, ou ainda um recipiente plástico onde caibam os 36 saquinhos de terra bem umidificada contendo cada um dos 36 assim agrupados uma ou duas sementes de árvores, no ponto genético de fertilidade". E dessa forma elas seriam transportadas para viveiros e escolas.

"O mesmo se fará mas calçadas projetadas e existentes em todos os países do globo terrestre, nas matas enfraquecidas e moribundas e nas regiões de mata rala e - com espécies adequadas, que, aliás, existem - em todos os desertos e áreas adequadas, que aliás, existem - em todos os desertos e áreas degradadas que são de vosso inteiro conhecimento e consciência. [...] E, dentro de dois anos, a partir do primeiro dia, a contribuição sob forma de trabalho individual agregará 730 vezes 36, ou seja, 26.280 novas árvores no planeta tão necessitado. Ou mais".

Foi uma experiência completamente diferente pra mim ler um livro sob o ponto de vista das gotas. Não me convenceu. Mas o livro é importante. Como uma defensora da natureza, muitos assuntos era de meu interesse e do meu conhecimento. O livro e didático e poderia ser incluído nas escolas no ensino fundamental. A linguagem dele é simples e direta, apesar de fugir às vezes do foco.

*esse livro foi lido durante o #TorneioMLV para o desafio 4 (capa feia)*

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

trecho de Hamlet - Shakespeare (sobre a dramaturgia)

Eu acho essa uma das melhores partes da obra de Shakespeare. Acontece no ato 3 da obra Hamlet quando o personagem orienta os atores sobre a dramaturgia:

perfil do dono do gif


Cena II

Entram Hamlet e alguns atores.

HAMLET: Tem a bondade de dizer aquele trecho do jeito que eu ensinei, com naturalidade. Se encheres a boca, como costumam fazer muitos dos nossos atores, preferira ouvir os meus versos recitados pelo pregoeiro público. Não te ponhas a serrar o ar com as mãos, desta maneira; sê temperado nos gestos, porque até mesmo na torrente e na tempestade, direi melhor, no turbilhão das paixões, é de mister moderação para torná-las maleáveis. Oh! Dói-me até ao fundo da alma ver um latagão de cabeleira reduzir a frangalhos uma paixão, a verdadeiros trapos, trovejar no ouvido dos assistentes, que, na maioria, só apreciam barulho e pantomima sem significado. Dá gana de açoitar o indivíduo que se põe a exagerar no papel de Termagante e que pretende ser mais Herodes do que ele próprio. Por favor, evita isso.

PRIMEIRO ATOR: Vossa Alteza pode ficar tranqüilo.

HAMLET: Também não é preciso ser mole demais; que a discrição te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua forma. O exagero ou o descuido, no ato de representar, podem provocar riso aos ignorantes, mas causam enfado às pessoas judiciosas, cuja censura deve pesar mais em tua apreciação do que os aplausos de quantos enchem o teatro. Oh! já vi serem calorosamente elogiados atores que, para falar com certa irreverência, nem na voz, nem no porte mostravam nada de cristãos, ou de pagãos, ou de homens sequer, e que de tal forma rugiam e se pavoneavam, que eu ficava a imaginar terem sido eles criados por algum aprendiz da natureza, e pessimamente criados, tão abominável era a maneira por que imitavam a humanidade.

PRIMEIRO ATOR: Quero crer que entre nós tudo isso está bem modificado.

HAMLET: Faze uma reforma radical! Que os truões não digam mais do que o que lhes compete, pois há deles que vão a ponto de rir, somente para provocarem riso aos parvos, até mesmo em passagens com algo merecedor de atenção. É vergonhoso, sobre revelar ambição estúpida por parte de quem se vale de semelhante recurso. Vai aprontar-te.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O Mulato - Aluísio Azevedo (trechos)


- Tenho um desgosto desta gordura!... lamentava-se ela às camaradas, que lhe elogiavam a exuberância adiposa. Se eu soubesse de um remédio para emagrecer... tomava!
As amigas procuravam consolá-la: "Dá-me gordura  que te darei formosura! - Gordura é saúde!"
Mas a repolhuda moça não se conformava com aquela desgraça. Vivia triste. As banhas cresciam-lhe cada vez mais; estava vermelha; cansava por cinco passos. Era um desgosto sério! Recorria ao vinagre; dava-se a longos exercícios pela varanda; mas qual! - as enxúdias aumentavam sempre; Lindoca estava cada vez mais redonda, mais boleada; a casa estremecia cada vez mais com o seu peso, os olhos desapareciam-lhe na abundância das bochechas; o seu nariz parecia um lombinho; as suas costas uma almofada. Bufava.
pag. 61

[Sobre o personagem Sebastião Campos na página 67:]


- Não sou bairrista, não senhor... dizia o maçante, mas o nosso Maranhãzinho é um torrão privilegiado!...
E citava, com orgulho, "os Cunha, os Odorico Mendes, os Pindaré, os Sotero et cetera! et cetera!" O seu modo de dizer et cetera era esplêndido!
- Temos os nossos faustos, temos!
pag. 68

- Acontece, meus senhores, com um boato, que corre a província, o mesmo que com uma pedra levada pela enxurrada da chuva; à proporção que rola, de rua em rua, de beco em beco, de fosso em fosso, vão-se-lhe apegando toda a sorte de trapos e imundícias, que encontra na sua vertiginosa carreira; de sorte que, ao chegar à boca-do-lobo, já se lhe não reconhece a primitiva forma. Do mesmo feitio quando uma notícia chega a cair no esquecimento, já tão desfigurada vai de si, que da própria não conserva mais do que a origem!
pag. 180

- Não é ainda para os nossos beiços, repito! nós não estamos preparados para a república! O povo não tem instrução! É ignorante! é burro! não conhece os seus direitos!
- Mas venha cá! replicou Casusa, fechando no ar a sua mão pálida e encardida de cigarro. Diz você que o povo não tem instrução; muito bem! Mas, como quer você que o povo seja instruído num país, cuja riqueza se baseia na escravidão e com um sistema de governo que tira a sua vida justamente da ignorância das massas?... Por tal forma, nunca sairemos deste círculo vicioso! Não haverá república enquanto o povo for ignorante, ora, enquanto o governo for monárquico, conservará, por conveniência própria, a ignorância do povo; logo - nunca haverá república!
pag. 184

Fazia um grande silência nas ruas; ao longe ladrava tristemente um cão, e, de vez em quando, ouviam-se ecos de uma música distante. E Raimundo, ali, desconforto do seu quarto, sentia-se mais só do que nunca; sentia-se estrangeira na sua própria terra, desprezado e perseguido ao mesmo tempo. "E tudo, por quê?... pensava ele, porque sucedera sua mãe não ser branca!... Mas do que servira então ter-se instruído e educado com tanto esmero? do que serviria a sua conduta reta e a inteireza do seu caráter?... Para que se conservou imaculado?... para que o diabo tivera ele a pretensão de fazer de si um homem útil e sincero?..." E Raimundo revoltava-se. [...]
pag. 185

- Suaviter in modo, fortiter in re!... [Suave na maneira, mas firma na ação]
pag. 202

A varanda estava deserta. Maria Bárbara rezava no seu quarto, agradecendo a Deus e aos santos a suposta partida de Raimundo. Manuel tomou um cálice de conhaque ao aparador, e dirigiu-se depois para a cozinha.
pag. 203

Plus videas tuis oculis quam alienis! [Vê mais com os teus olhos do que com os alheios]
pag. 214

[Ana Rosa no confessionário sobre casar com Raimundo, e o padre:]
- E não se lembra que, com isso, ofende a Deus por vários modos?... Ofende, porque desobedece a seus pais; ofende, porque agasalha no seio uma paixão reprovada por toda a sociedade e principalmente por sua família; e ofende, porque, com semelhante união, condenará seus futuros filhos a um destino ignóbil e acabrunhado de misérias! Ana Rosa, esse Raimundo tem a alma tão negra como o sangue! além de mulato, é um homem mau, sem religião, sem temor de Deus! é um - pedreiro livre! - é um ateu! Desgraçada daquela que se unir a semelhante monstro!... O inferno aí está, que o provo! o inferno aí está carregado dessas infelizes, que não tiveram, coitadas! um bom amigo que as aconselhasse, como te estou eu aconselhando neste momento!... Vê bem! repara, minha afilhada, tens o abismo a teus pés! mede, ao menos, o precipício que ameaça!... A mim, como pastor e como padrinho, compete defender-te! Não cairás, porque eu não deixo!
pag. 215

sábado, 7 de janeiro de 2017

O Melhor do Inferno - Christiane Tassis


Aqui deixo alguns trechos do livro O Melhor do Inferno de Christiane Tassis que narra um relacionamento entre três pessoas (duas mulheres com personalidades completamente diferentes e um homem, um artista anônimo - que narra a trama).

Isabel e David (o principal narrador da estória) resolvem registrar com uma câmera tudo que se passa entre eles. Dessa forma, os capítulos do livro estão divididos por timecodes. As cenas são gravadas por David.

Os capítulos são fragmentos de cenas dos relacionamentos entre as três personagens. Além disso, há fragmentos através de recados deixados por Isabel em papel, post-it, e blog.

Dessa forma, o livro é criativo e dialoga bem com as várias formas de comunicação, a escrita, a falada, a cinematográfica e etc.

Na minha opinião, o livro é simplesmente interessante em sua forma e estrutura; porém, achei os personagens complexos entre si, o que me fez desinteressar um pouco na trama quando estava mais ou menos na metade do livro (que tem 149 páginas).

É preciso dizer que o livro faz parte da coleção Ponta de Lança que pretende dar vez a autores novos ou pouco conhecidos que se expressam através da língua portuguesa.

Então, se você está afim de dar a vez a autores desconhecidos ou praticamente desconhecidos, fica a dica.