domingo, 28 de agosto de 2016

Dom Casmurro - Machado de Assis (trechos)

foto retirada do blog Andréia Rosevell

ninfa - Na mitologia grega, divindade feminina dos rios, das fontes, dos bosques e das montanhas. Em sentido figurado, designa uma mulher jovem e formosa.

Tétis - Na mitologia grega, divindade marinha, dotada de beleza excepcional, que personificava a água. Em sentido poético, designa o mar.

ce ne sont pas me gestes que j'écris; c'est moi, c'est mon essence - não é sobre meus gestos que escrevo; é sobre mim, sobre minha essência - frase do escritor e filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592)


Não só as belas ações são belas em qualquer ocasião, como são também possíveis e prováveis, pela teoria que tenho dos pecados e das virtudes, não menos simples que clara. Reduz-se a isto que cada pessoa nasce com certo número deles e delas, aliados por matrimônio para se compensarem na vida. Quando um de tais cônjuges é mais forte que o outro, ele só guia o indivíduo, sem que este, por não haver praticado tal virtude ou cometido tal pecado, se possa dizer isento de um ou de outro; mas a regra é dar-se a prática simultânea dos dois, com vantagem d portador de ambos, e alguma vez com resplendor maior da terra e do céu.
pag 93

O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contra-regra, isto é, designa a entrada dos personagens em cena, dá-lhes as cartas e outros objetos, e executa dentro os sinais correspondentes ao diálogo, uma trovoada, um carro, um tiro.
pag 97

ab ovo - desde a origem

O valor do zero é, em si mesmo, nada; mas o ofício deste sinal negativo é justamente aumentar. Um 5 sozinho é um 5; ponha-lhe dois 00, é 500. Assim, o que não vale nada faz valer muito, coisa que não fazem as letras dobradas, pois eu tanto aprovo com um p como com dois pp.

Escobar: - Isto prova que as ideias aritméticas são mais simples, e portanto mais naturais. A natureza é simples. A arte é atrapalhada.
pag 115

A felicidade tem boa alma
pag 124

A resposta de Capitu foi um riso doce de escárnio, um desses risos que não se descrevem, e apenas se pintarão; depois estirou os braços e atirou-mos sobre os ombros, tão cheios de graça que pareciam (velha imagem!) um colar de flores. Eu fiz o mesmo aos meus, e senti não haver ali um escultor que nos transferisse a atitude a um pedaço de mármore. Só brilharia o artista, é certo. Quando uma pessoa ou um grupo saem bem, ninguém quer saber de modelo, mas da obra, e a obra é que fica. Não importa; nós saberíamos que éramos nós.
pag 133

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O Ateneu - Raul Pompéia (trechos)


"Nenhum mestre é mau para o bom discípulo". pag.30

"Onde meter a máquina dos meus ideais naquele mundo de brutalidade, que me intimidava com os obscuros detalhes e as perspectivas informes, escapando à investigação da minha experiência?"
pag. 33

"Ninguém sabia dos sonhos e atribuía à excentricidade e o meu amor à solidão e ao sossego".
pag.51

Dr Cláudio sobre a arte em geral pag. 80-85

"O tédio é a grande enfermidade da escola, o tédio corruptor que tanto se pode gerar da monotonia do trabalho como da ociosidade." pag. 87

"As transações eram proibidas pelo código do Ateneu. Razão demais para interessar. Da letra da lei, incubados sob a pressão do veto, surgiram outros jogos, mais expressamente característicos, dados que espirravam como pipocas, naipes em leque, que se abriam orgulhosos dos belos trunfos, entremostrando a pança do rei, o sorriso galhardo do valete, a simbólica orelha da sota, a paisagem ridente do ás; roletas miúdas de cavalinhos de chumbo; uma aluvião de fichas em cartão, pululantes como os dados e coradas como os padrões do carteiro.
A principal moeda era o selo"...
pag. 88

"Súbito, no melhor das quadras, exatamente quando o poeta apostrava o dia sereno e o sol, comparando a alegria dos discípulos com o brilho dos prados, e a presença do Mestre com o astro supremo, mal dos improvisos prévios! desata-se das nuvens espessadas umas carga d'água diluvial, única, sobre o banquete, sobre o poeta, sobre a miseranda apóstrofe sem culpa.
Venâncio não se pertubou. Abriu um guarda-chuva para não ser inteiramente desmentido pelas goteiras e continuou, na guarita, a falar entusiasticamente ao sol, à limpidez do azul.
Não querendo desprestigiar o estimável subalterno, Aristarco fingia acreditar no improviso e, indiferente, deixava cair o aguaceiro. As abas do chapéu de palha murchavam-lhe ao redor da cabeça, o rodaque branco desengomava-se em pregas verticais gotejantes.
Para os rapazes a chuva foi novo sinal de desordem. Deixou-se o poeta com a sua inspiração arrebatadora de bom tempo; recomeçou a investida aos pratos.
A abóbada de folhagem que nos cobria, em vez de atenuar a violência das águas, concorria para fazer mais grossos os pingos. Pouco importava. A filosofia impermeável do diretor servia-nos também de capa. Que chovesse! Era o molho dos manjares que nos faltava. As frutas lavadas luziam como um verniz de frescura que o próprio outono não possui. O vinho estendia-se pela toalha encharcada numa generalização solene de púrpura. O banho oportuno do banquete vinha temperar a demasiada aridez das farinhas de recheio. 'Acabamos pela sopa, descobriu Nearco, o penetrante, por onde o vulgo principia!'". pag. 105

"Aristarco, reassumindo a dureza olímpica da seriedade habitual, apresentou-se e perguntou asperadamente se pretendíamos que a vida passasse a ser agora um piquenique perpétuo na desmoralização. Tacitamente negamos e a traquilidade normal entrou nos eixos". pag. 106

"Ilustrar o espírito é pouco; temperar o caráter é tudo"

"A educação não faz almas: exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias".

"O internato é útil; a existência agita-se como a peneira do garimpeiro: o que vale mais e o que vale menos, separam-se"
pag. 127

"Não era um ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco metálico, escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das esculturas, sem consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh, glória! mas feito estátua."

"O monumento prescinde do herói, não o conhece, demite-o por substituição, sopeia-o, anula-o".
pag. 137

"Há reminiscências sonoras que ficam perpétuas, como um eco do passado. Recorda-me, às vezes, o piano, ressurge-me aquela data.
Do fundo repouso saído de convalescente, serenidade extenuada em que nos deixa a febre, infantilizados no enfraquecimento como a recomeçar a vida, inermes contra a sensação por um requinte mórbido da sensibilidade - eu aspirava a música como a embriaguez dulcíssima de um perfume funesto; a música envolvia-me num contágio de vibração, como se houvesse nervos no ar. As notas distantes cresciam-me n'alma em ressonância enorme de cisterna; eu sofria, como das palpitações fortes do coração quando o sentimento exacerba-se - a sensualidade dissolvente dos sons."
pag. 138

O Ateneu - Raul Pompéia