sexta-feira, 15 de setembro de 2017

À Procura de Hemingway - Gay Talese

O texto tem cerca de 12 páginas no Word. Quem tiver interessado(a) em receber o arquivo em PDF, mande email para paty.lavir@gmail.com com o assunto "PDF Gay Talese". Ou leia na íntegra aqui:


Lembro-me muito bem da minha primeira impressão de Hemingway, naquela tarde. Era um rapaz de vinte e três anos, extraordinariamente bem apessoado. Foi pouco depois da época em que todo mundo tinha vinte e seis anos. Houve o período dos vinte e seis. Nos dois ou três anos subsequentes, todos os rapazes tinham vinte e seis anos, a idade certa, aparentemente, para aquele tempo e lugar.
Gertrude Stein

Página do manuscrito Goodbye Columbus de Philip Roth,
publicado no número 20 da Paris Review
(Autumn-Winter, 1958-1959).

No início da década de cinquenta, uma nova geração de jovens expatriados americanos completou em Paris vinte e seis anos. Mas já não eram os Rapazes Tristes, nem os Perdidos. Eram os espirituosos e irreverentes filhos de uma nação vencedora e, embora a maioria se originasse de pais abastados e se tivesse diplomado em Harvard ou Yale, pareciam ter grande prazer em fingir-se de pobres, fugir aos credores, talvez por ser uma espécie de desafio, porque isso os distinguia dos turistas americanos a quem desprezavam, e também por ser um meio de caçoar dos franceses, que os desprezavam. Contudo, viviam em alegre miséria na Rive Gauche durante dois ou três anos, entre prostitutas, músicos de jazz e poetas pederastas, envolvendo-se com gente trágica e doida, inclusive um violento pintor espanhol que certo dia abriu uma veia da perna, terminando seu retrato derradeiro com o próprio sangue.

Em julho desciam a Pamplona para correr dos touros e ao regressar jogavam tênis com Irwin Shaw em Saint-Cloud, numa quadra magnífica, dominando Paris. E ao atirarem a bola para servir, viam diante dos olhos a cidade inteira: a Torre Eiffel, o Sacré-Coeur, a Ópera, e ao longe as torres de Notre Dame. Irwin Shaw achava-os divertidos, chamando-os “Rapazes Altos”.

O mais alto de odos, 1,90m, era George Ames Plimpton, rápido e gracioso jogador de tênis, de pernas compridas e magras, cabeça pequena, brilhantes olhos azuis, nariz delicado, de ponta fina. Viera a Paris em 1952 com a idade de vinte e seis anos porque vários dos outros americanos altos e jovens – alguns eram baixos e selvagens – estavam publicando uma revista literária que receberia o nome de Paris Review, sob protestos de um dos membros da equipe, um poeta que queria batizá-la de Druid’s Home Companion e que ela fosse impressa em casca de bétula, George Plimpton foi designado para editor-chefe e breve era visto caminhando pelas ruas de Paris, uma longa écharpe de lã no pescoço, às vezes uma capa negra aos ombros, lembrando a famosa litogravura de Tolouse Lautrec por Aristide Bruant, o brilhanteliterato do século XIX.

Embora grande parte da redação da Paris Review fosse feita nos cafés de rua, enquanto os editores aguardavam a sua vez na máquina de jogo automático, a revista obteve muito sucesso porque os rapazes tinham talento, dinheiro e gosto e evitavam usar vocábulos típicos de revistinhas, como “zeitgeist” e “dicotômico”, e não publicavam críticas herméticas sobre Melville e Kafka, preferindo poesia e ficção de jovens escritores talentosos e ainda pouco conhecidos. Iniciaram também uma excelente série de entrevistas com autores famosos – que os convidavam a almoçar, apresentavam-nos a atrizes, dramaturgos e produtores e depois todos mundo convidava todo mundo para festas, e as festas eram infindáveis. Não terminaram até hoje, embora dez anos se tenham passado, Paris não seja mais cenário e os Rapazes Altos estejam com trinta e seis anos.

Vivem agora em nova York e a maioria das festas acontece no grande apartamento de solteiro de George Plimpton, na Rua Setenta e Dois, dando para o East River, e que é também o quartel-general do que Elaine Dundy chama de “Grupo Literário de Qualidade”, ou o que Candida Donadio, a agente, classifica de a “Turma da Paris Review”. O apartamento de Plimpton é hoje o mais movimentado salão literário de Nova York – o último local onde, permanecendo na mesma sala em qualquer noite da semana, é possível encontrar James Jones, William Styron, Irwin Shaw, algumas bonecas para decorar o ambiente, Norman Mailer, Philip Roth, Lillian Hellmann, um tocador de bongo, Harold L. Humes, Jack Gelber, Sadruddin Aga Khan, Terry Southern, Blair Fuller, o elenco de Beyond the Fringe, Tom Keogh, William Pène du Bois, Bee Whistler Dabney (descendente da mãe de Whistler), Robert Silvers e um zangado veterano da invasão da Baía dos Porcos, uma coelhinha aposentada do Playboy Club, John P.C. Train, Joe Fox, John Phillips Marquand, a secretária de Robert W. Dowling, Peter Duchin, Gene Andrewski, Jean vanden Heuvel, o antigo treinador de boxe de Ernest Hemingway, Frederick Seidel, Thomas H. Guinzburg, David Amram, um barman do centro da cidade, Barbara Epstein, Jill Fox, um distribuidor local de entorpecentes, Piedy Gimbel, Dwight MacDonald, Bill Cole, Jules Feffer. E nesta cena, numa noite de inverno, penetrou uma velha amiga de George Plimpton: Jacqueline Kennedy.

- Jackie! – exclamou George, ao abrir a porta e dar com a Primeira-Dama, acompanhada da irmã e do cunhado, os Radziwills. A Sra. Kennedy, sorrindo amplamente, entre dois cintilantes brincos, estendeu a mão a George, a quem conhece desde os tempos de infância, e conversaram alguns minutos no hall, enquanto George a ajudava a despir o casaco. Depois, espreitando para o quarto e reparando numa pilha de sobretudos mais alta que um Volkswagen, a Sra. Kennedy falou, numa voz suave, cheia de simpatia:

- Oh George! A sua cama!

George deu de ombros e escoltou-os pelo hall, descendo três degraus até a sala enfumaçada.
- Olhe, - disse uma boneca, a um canto – lá está a irmã de Lee Radziwill!

George apresentou primeiro Ved Mehta, o escritor indiano, à Sra. Kennedy, depois esgueirou-se habilmente com ela por Norman Mailer, seguindo em direção a William Styron.

- Olá, Bill – disse ela, apertando-lhe a mão. – É um prazer vê-lo. Conversando com Styron e Cass Canfield, a Sra. Kennedy ficou de costas para Sandra Hochman, poetisa de Greenwich Village, loura oxigenada, vestindo um grosso suéter de lã e calças de esqui parcialmente abertas.

- Creio que estou um pouco déshabillée – murmurou a Srta. Hochman a um amigo, com sinal de cabeça para o belo terninho em brocado branco da Sra. Kennedy.

- Tolice – disse o amigo, jogando cinza de cigarro no tapete.

E para falar a verdade é preciso dizer que nenhuma das setenta pessoas presentes na sala achou que os trajes de Sandra Hochman contrastassem de maneira desagradável com os da Primeira-Dama; de fato, alguns nem a notaram, e houve quem a visse, sem a reconhecer.

- Ora, - falou, alguém espreitando através a fumaça em direção ao complicado penteado da Sra. Kennedy – aquilo é moda este ano, não é? E aquela garota quase acertou.

Enquanto a Sra. Kennedy conversava a um canto, a Princesa Radziwill batia um papo com Bee Whistler Dabney, pouco adiante, e o Príncipe Radziwill permanecia sozinho junto ao piano de cauda, cantarolando baixinho, como faz com frequência em reuniões. Em Washington, é conhecido como um grande cantarolador.

Quinze minutos após, a Sra. Kennedy, que era aguardada num jantar oferecido por Adlai Stevenson, despediu-se de Styron e Canfield, e, acompanhada de George Plimpton, dirigiu-se aos degraus que levavam ao hall. Norman Mailer, que entretanto bebera três copos de água, estava junto aos degraus e fitou-a com fixidez quando ela passou. Jacqueline não retribuiu o olhar.

Três rápidos passos e ela desapareceu – transpôs o hall, vestiu o casaco e as longas luvas brancas, e desceu dois lances de escada até a calçada, sequida pelos Radziwills e George Plimpton.

- Vejam! – gritou uma loura, Sally Belfrage, olhando da janela da cozinha para as pessoas que entravam na limusine. – Lá está George! E veja que carro!

- Que é que há de extraordinário no carro? – perguntou alguém. – É apenas um Cadillac.

- Sim, mas é preto e não tem enfeites cromados.

Sally Belfrage viu o grande veículo, apontando na direção de um outro mundo, deslizar macio para longe, mas na sala a festa continuava mais animada que nunca, e quase ninguém notou que o anfitrião desaparecera. Mas havia bebida e bastava lançar um olhar às fotos das paredes para sentir a presença de George Plimpton. Uma fotografia mostra-o toureando pequenos touros na Espanha, com Hemingway. Outra surpreendeu-o bebendo cerveja com os “Jovens Altos” num café parisiense. Outras exibem-no como tenente, marchando com um pelotão pelas ruas de Roma. Ou como tenista do King’s College, lutador amador, sparing para Archie Moore no Ginásio Stillman, ocasião em que o cheiro a ranço do local foi temporariamente substituído pelo perfume a almíscar do El Morocco e os aplausos dos amigos de Plimpton quando ele conseguiu um golpe certeiro, rapidamente transformado num “Ohhhhhhhh” quando Archie Moore rebateu com um soco que quebrou em parte a cartilagem do nariz de Plimpton, fazendo-o sangrar e levando Miles Davis a perguntar depois:

- Archie, esse sangue nas suas luvas é negro ou branco?

Ao que um dos amigos de Archie replicou: - Senhor, isto é sangue azul.

Na parede vê-se ainda um rebab, instrumento de uma corda, feito de couro de bode, e que os beduínos lhe ofereceram antes que ele fizesse um pequeno papel em Lawrence of Arabia, durante uma tempestade de areia. E sobre o piano de cauda – ele toca bastante bem para ter conquistado um terceiro prêmio, na Noite dos Amadores, no Teatro Apolo, cerca de dois anos passados, na Harlem – vê-se um coco que lhe foi enviado por uma nadadora que ele conheceu em Palm Beach, e também a fotografia de outra jovem, Vali, existencialista de cabelos cor de laranja, conhecida de todas as concierges na Rive Gauche como la bête; e também um bastão de basebol, que Plimpton ocasionalmente atira do lado oposto do living, a uma poltrona baixinha, gorda e acolchoada, usando o mesmo desabafo que quando praticava contra Willie Mays ao pesquisar para seu livro Out of My League, sobre os sentimentos de um amador entre profissionais – e que, aliás, é uma chave não só para George Ames Plimpton, como também para vários outros da Paris Review.

Vários deles vivem obcecados pelo desejo de saber como viver a outra metade. Assim travam amizade com as figuras mais interessantes entre os excêntricos, evitamos chatos de Wall Street e mergulham no mundo dos traficantes, pederastas, boxadores e aventureiros, em busca de emoções e literatura, influenciados talvez por aquela gloriosa geração de motoristas de ambulância que os precedeu em Paris, aos vinte e seis anos.




Em Paris, no início da década de cinquenta, sua grande esperança era Irwin Shaw porque, nas palavras de Thomas Guinzburg, um homem de Yale então editor gerente da Paris Review, “Shaw era rijo jogador de tênis, escritor que sabia beber e tinha uma esposa bonita – o que havia de mais próximo a Hemingway”. Claro que o editor chefe George Plimpton, então como agora, mantinha a revista em andamento, conservava o grupo reunido, estabelecia um estilo de romantismo que era – e ainda é – infeccioso.

Chegando a Paris na primavera de 1952, com um guarda-roupa que incluía o fraque da futura rainha da Inglaterra, mudou-se imediatamente para um galpão de ferramentas nos fundos de uma casa, cujo proprietário era um sobrinho de Gertrude Stein. Como a porta do galpão estava enguiçada, Plimpton, para entrar, teve que passar a si mesmo seus livros e o fraque do avô pela janela. A cama era uma enxerga comprida e estreita, flanqueada por um cortador de grama e uma mangueira de jardim com um cobertor elétrico que Plimpton nunca se lembrava de desligar – de modo que, ao voltar para casa à noite e atirar-se na enxerga, era em geral saudado pelos furiosos miados de vários gatos vadios, relutantes em abandonar o calor que seu esquecimento proporcionara.

Numa noite de solidão, antes de voltar para casa, Plimpton fez um passeio por Montparnasse, percorrendo as mesmas ruas e passando pelos mesmos cafés que Jake Barnes visitara depois de abandonar Lady Brett em The Sun Also Rises. Plimpton queria ver o que Hemingway vira, sentir o que ele sentira. Terminado o passeio, entrou no bar mais próximo e pediu um drinque.

Em 1952, a sede da Paris Review era um escritório de uma só peça, na Rue Garancière, 8. Como mobiliário tinha uma escrivaninha, quatro cadeiras, uma garrafa de brandy e várias garotas de Smith e Radcliffe, vivas e de longas pernas, ansiosas para ingressar no expediente da revista, a fim de convencerem os pais de sua inocência no estrangeiro. Mas tantas jovens chegavam e saíam que o gerente comercial de Plimpton, um rapaz baixinho, de língua ferina, diplomado por Harvard e chamado John P.C. Train, decidiu que seria ridículo recordar o nome de todas, declarando que de então em diante seriam chamadas por um só nome: Apetecker. Mas as alunas Apetecker incluíram, em diferentes ocasiões, Jane Fonda, Joan Dillon Moseley (filha do secretário do Tesouro Dillon), Gail Jones (filha de Lane Horne), e Louisa Noble (filha do treinador de futebol Groton), garota muito dedicada, mas esquecida, que vivia perdendo manuscritos, cartas, dicionários. Um dia, ao receber uma carta de um bibliotecário queixando-se de que a Srta. Noble estava um ano atrasada na entrega do livro, John P.C. Train respondeu:

Caro senhor:

Tomo a liberdade de escrever-lhe de meu próprio punho porque a Srta. L. Noble levou consigo, na última vez em que esteve neste escritório, a máquina de escrever na qual eu estava habituado a redigir meus bilhetes. Se ela entrar na sua livraria, pergunte-lhe, por favor, se poderia nos devolver a máquina.

Incluso fórmula em branco para assinatura.
Respeitosamente,
J.O.C. Train

Já que a sala única da Paris Review era evidentemente demasiado pequena para preencher as necessidades do staff no sentido de misturar negócios e prazer, e já que havia também um limite ao número de horas que poderiam passar nos cafés, todo mundo se reunia em geral às cinco da tarde no apartamento de Peter e Patsy Mathiessen, na Rua Perceval, 14, onde haveria com certeza uma festa em andamento.

Peter Mathiessen, então editor de ficção da Paris Review, era um diplomado de Yale, alto e magro, que, quando menino, frequentara a St. Bernard School de Nova York com George Plimpton e escrevia então seu primeiro romance, Race Rock. Patsy era uma lourinha encantadora, viva, de olhos azuis-pálidos e um corpo maravilhoso. Todos os rapazes de vinte e seis anos estavam apaixonados por ela. Filha do falecido Richard Southgate, ex-chefe de Protocolo do Departamento de Estado, Patsy frequentara as festas dos filhos de Kennedy, tivera governantas e motoristas particulares e, no seu primeiro ano em Smith, em 1948, fora a Paris e conhecera Peter. Três anos depois, casados, voltaram a Paris e alugaram por 21 dólares mensais aquele apartamento em Montparnasse, desocupado quando a ex-namorada de Peter viajara para a Venezuela.

O apartamento tinha pé direito alto, um terraço e muito sol. Uma das paredes era um afresco de Foujita, uma gigantesca cabeça de gato. A outra parede era toda de vidro, contra o qual batiam grandes árvores e cresciam trepadeiras. Os visitantes tinham às vezes a impressão de encontrarem-se num monstruoso aquário, especialmente às seis da tarde, quando a sala estava cheia de gim holandês e absinto, a cabeça do felino parecia maior, alguns vagabundos entravam, vagueavam pelo recinto, cumprimentavam de cabeça, e instalavam-se silenciosamente a um canto.

Aquele apartamento, na década de cinquenta, era o ponto de encontro dos jovens literatos americanos, assim como o de Gertrud Stein o fora na década de vinte, captando a atmosfera que na de sessenta prevaleceria no apartamento de George Plimpton, em Nova York.

William Styron, frequentador dos Matthiessen, descreve o apartamento no romance Set This House On Fire; outros romancistas ali eram encontrados: John Phillips Marquand e Terry Southern, ambos editores da Paris Review, às vezes James Baldwin, quase sempre Harold L. Humes, um rapaz robusto, infatigável, impulsivo, que usava barba, boina e um guarda-chuva de cabo de prata. Depois de expulso do MIT por levar uma garota de Radcliffe a velejar várias horas depois do período regulamentar e passar um infeliz período com a Marinha, preparando maionese em Bainbridge, Maryland, Harold Humes estourou em plena revolta no cenário de Paris.

Tornou-se jogador de xadrez dos cafés, ganhando várias centenas de francos por noite. Foi nos cafés que conheceu Peter Matthiessen e ambos falaram em fundar uma pequena revista, a Paris Review. Antes de vir a Paris, Humes nunca trabalhara numa publicação, mas apreciara muito uma revista com o nome de Zero, editada por um grego baixinho chamado Themistocles Hoetes, Them para todos. Impressionado com o que Them fizera em Zero, Humes adquiriu por 600 dólares a revista The Paris News Post, que John Ciardi classificou mais tarde como “a melhor imitação em quarta categoria do New Yorker que jamais vi”, e para a qual Matthiessen olhava com condescendência e superioridade, de modo que Humes vendeu-a por 600 dólares a uma jovem inglesa muito nervosa, em cujas mãos ela entrou em colapso no número seguinte. Então Humes, Matthiessen e outros iniciaram uma longa série de palestras sobre a política – se é que haveria alguma – a seguir na Paris Review, caso a publicação ultrapasse o estágio de conversações e bebidas.

Quando a revista finalmente organizou-se, e George Plimpton foi escolhido como editor em lugar de Humes, este mostrou-se desapontado. Recusou-se a abandonar os cafés para vender anúncios ou negociar com impressores franceses. E no verão de 1952 não hesitou em abandonar Paris com William Styron, aceitando um convite de uma atriz francesa, Mme. Nénot, para ir a Cap Myrt, próximo a Saint-Tropez, visitar sua mansão de cinquenta peças, planejada pelo pai, um arquiteto. A casa fora ocupada pelos alemães no início da guerra; assim, quando Styron e Humes chegram, encontraram ainda buracos nas paredes, através os quais podiam olhar o mar. O mato estava tão espesso e as árvores tão frondosas e cobertas de trepadeiras que o pequeno Volkswagen de Humes enguiçou nas raízes. Então, seguiram a pé para a casa, mas detiveram-se quando passou correndo uma jovem seminua, muito bronzeada de sol, usando apenas lenços à guisa de biquíni, a boca cheia de uvas. Gritando atrás dela corria um velho fazendeiro francês, cujas parreiras ela evidentemente assaltara.

- Styron, - exclamou Humes alegremente – chegamos!

- Sim, estamos aqui mesmo!

Outras ninfetas surgiram de biquíni entre as árvores, carregando uvas e também metades de abóboras do tamanho de rodas de carruagens, oferecendo-as a Styron e Humes. No dia seguinte, saíram todos para nadar e pescar e à noite instalaram-se na casa bombardeada, local de extraordinária beleza e destruição, bebendo vinho com as moças que pareciam pertencer somente à praia. Foi o verão dinâmico, com as ninfetas a rodeá-los como mariposas contra a luz. Styron recorda-o como uma cena de Ovídio, Humes como o ápice de sua carreira como epicuro e scholar.

George Plimpton não achou romântico aquele verão – foi quente, longo, cheio de frustrações com os impressores franceses e os anunciantes; e os outros membros da equipe, em especial John P.C. Train, estavam tão aborrecidos com a partida de Humes, que decidiram transferir seu nome do expediente, onde figurava como um dos fundadores, colocando-o sob “publicidade e circulação”.

Quando saiu o primeiro número da revista, na primavera de 1953, Humes encontrava-se nos Estados Unidos. Mas soubera o que haviam feito com ele e, furioso, planejou uma vingança. Quando o navio chegou ao píer do rio Hudson, trazendo milhares de exemplares da Paris Review que seriam distribuídos pelos Estados Unidos, Harold Humes, com o seu boné e praguejando “Le Paris Review c’est moi!” encontrava-se no cais, à espera. Abrindo os amarrados e munido de um carimbo com o seu nome em letras maiores que as de todos os outros do expediente, pôs-se a carimbar todos os exemplares, tarefa que levou várias horas e que o deixou totalmente exausto.

- Mas... mas... como é que você pode fazer uma coisa dessas? – perguntou George Plimpton na vez seguinte em que encontrou Humes.

Este se mostrava triste, quase choroso, mas num rasgo final de vingança exclamou:

- Ninguém vai me empurrar de um lado para outro, diabo!

Explosões desse tipo eram muito comuns na Paris Review. Terry Southern ficou furioso quando uma frase de um de seus contos foi modificada de “não deixe esquentar sua merda” para “não se esquente”. Dois poetas queriam dissecar John P.C. Train quando um impressor francês acidentalmente derramou os tipos de um poema dentro de outro, os dois surgiram como uma poesia só na revista e Train casualmente observou que o descuido do impressor havia na verdade melhorado o trabalho de ambos.

Outra causa de caos foi a polícia parisiense, que parecia estar sempre perseguindo o esquadrão noturno de pregadores de cartazes de John Train, um grupo de rapazes de Yale e garotos árabes, que corriam a cidade à noite colando grande posters da Paris Review em todos os postes, ônibus e mictórios que encontrassem. O ás do esquadrão, um rapaz alto, graduado de Yale, chamado Frank Musinsky, era tão impressionante que John Train decidiu chamar os outros de Musinskys – assim como chamava as garotas de Apetecker – o que Frank considerou uma grande honra, embora seu verdadeiro sobrenome não fosse Musinsky. Seu avô, cujo verdadeiro nome era Supovitch (sic) trocara de nome na Rússia, há vários anos, com um conterrâneo que, em troca de uma quantia concordara em assumir o lugar do avô Frank no Exército russo.

Ninguém sabe que fim levou, mas o avô de Frank veio para os Estados Unidos, onde o filho mais tarde prosperou no negócio retalhista de calçados e o neto, Frank, após o curso em Yale e as aventuras com o esquadrão de Train, conseguiu um emprego no New York Times – perdendo-o logo em seguida.

Fora contratado como contínuo do setor esportivo do Times e como tal esperava-se que transportasse provas de paquê, enchesse os vidros de cola e não se sentasse por trás de uma escrivaninha, pés sobre ela, lendo Yeats e Pound e recusando-se a movimentar-se.

Certa noite, um editor gritou:

- Musinsky, você é sem dúvida o pior contínuo na história do Times.

Ao que Musinsky replicou, altivo:

- Senhor, citando E.E. Cummings, de quem o senhor já deve ter ouvido falar, “Desta merda não comerei”.

E voltando s costas ao redator, Frank Musinsky abandonou a redação do Times para nunca mais voltar.

Entretanto, seu lugar no esquadrão volante de Paris foi ocupado por vários outros Musinskys – Colin Wilson foi um deles – que ajudaram a preservar a tradicional irreverência pela burguesia, o Establishment e até pelo falecido Aga Khan que, depois de oferecer um prêmio de mil dólares por um trabalho de ficção, apresentou seu próprio manuscrito.

O editores rapidamente aceitaram-lhe o dinheiro e com igual rapidez deixaram bem claro que seu estilo em prosa não era aquilo que procuravam, embora o próprio filho do Aga, Sadruddin Khan, amigo de Plimpton em Harvard, fosse um dos editores da Paris Review, sugestão feita por George e aceita impulsivamente por Sadruddin, um dia em que ambos corriam dos touros em Plamplona – momento em que, George suspeitou corretamente, Sadriddin teria concordado com qualquer coisa.

Por mais improvável que pareça, apesar de todos os Musinskys e Apeteckers voando em todas as direções, a Paris Review saiu-se muito bem, publicando ótimos contos de jovens escritores como Philip Roth, Mac Hyman, Pati Hill, Evan Connell Jr., Hughes Rudd e, é claro, distinguindo-se principalmente por sua “Arte da Ficção”, entrevistas com autores famosos, onde se destacam particularmente a que William Faulkner concedeu a Jean Stein vanden Heuvel e a de Hernest Hemingway a Plimpton iniciada num café de Madri com Hemingway perguntando:

- Você vai às corridas?

- De vez em quando.

- Então, leia The Racing Form. Ali encontrará a verdadeira Arte da Ficção.

Mais que por qualquer outro motivo, a Paris Review sobreviveu porque tinha dinheiro. E seu staff se divertia porque sabia que se um dia fossem parar na prisão, os amigos ou a família pagariam a fiança. Jamais precisariam partilhar com James Baldwin a experiência de passar oito dias e oito noites numa suja cela francesa, sob acusação errônea de ter roubado um lençol do hotel, o que levara Baldwin a concluir que embora a miserável ronda de quartos de hotel, má alimentação, porteiras insuportáveis e contas por pagar possam ser a Grande Aventura para os “Rapazes Altos”, para ele não foi, porque “eu debatia mentalmente de forma bastante real qual dos dois terminaria antes, a Grande Aventura, ou eu”.

A relativa opulência da Paris Review tornou-a, é claro, objeto de inveja de outras publicações menores, especialmente de uma revista trimestral chamada Merlin. Alguns dos seus editores acusavam a turma da Review de diletantismo, ressentiam-se de suas brincadeiras, e de que a revista continuasse a ser publicada enquanto Merlin, que também descobrira e publicara talentos novos, breve encerraria a carreira.

Naquele tempo, o editor de Merlin era Alexander Trocchi, nascido em Glasgow de mãe escocesa e pai italiano, figura literária muito vibrante e destacada, homem alto, fisionomia satânica, orelhas de fauno, talento para escrever e presença marcante, que lhe permitiam penetrar numa sala e imediatamente assumir a liderança. Mais tarde se tornaria amigo de George Plimpton, John Phillips Marquand e a turma da Review e anos após viveria numa barcaça em Nova York, e depois nos fundos da redação da Paris Review, em Manhattan. Foi eventualmente preso pelo uso de narcóticos e saiu dos Estados Unidos com dois dos ternos Brooks Brothers de George Plimpton. Mas deixaria para trás um bom romance a respeito do vício de drogas, Cain’s Book, com sua linha memorável: “Heroin is habit-forming... habit-forming... rabbir-forming... Babbitt-forming”.

O staff de Alexander Trocchi em Merlin era construído naquele tempo sobretudo de rapazes sem senso de humor, em verdadeira rebelião, o que não acontecia com a turma da Paris Review; a turma de Merlin lia também o mensário esquerdista Les Temps Modernes, preocupando-se com a importância de ser engagé. Entre os editores contava-se Richard Seaver, educado na zona mineira da Pensilvânia e em cuja garagem úmida e escura Merlin realizava suas reuniões, e também Austryn Wainhouse, desencantado homem de Exeter-Harvard, que escreveu um romance vigoroso, esotérico, Hedyphagetica, e que após vários anos na França vive agora em Martha’s Vineyard construindo mobília segundo os métodos do século XVIII.

Embora todo o staff de Merlin fosse pobre, ninguém o era tanto como Christopher Logue, de quem se contava que, certa vez, apostando numa máquina automática num café, reparou numa velha mendiga esfarrapada olhando para uma moeda de cinco francos caída no chão, junto da máquina. Mas antes que pudesse apanhá-la, Logue esticou o pé e pisou-a, conservando-se no mesmo lugar, enquanto a velha gritava e ele continuava a segurar-se, desajeitado, com ambas as mãos, à máquina, tentando manter a bola em movimento, até que o proprietário do café o agarrou pelo braço e expulsou-o.

Pouco depois, quando a namorada o abandonou, Logue caiu sob a influência de um louco tipo Svengali que morava em Paris, pintor sul-africano de fisionomia macilenta, discípulo de Nietzsche e de seu dictum “Morra na hora certa” e que, à procura de emoções, encoraja Logue a suicidar-se. Mergulhado em depressão, ele afirmava que o faria.

Austryn Wainhouse, que desconfiava que Logue andava pensando muito em matar-se, passou uma semana sentado diante do hotel do amigo, vigiando-lhe a janela. Uma tarde, quando Logue não apareceu para um encontro marcado, Wainhouse correu ao hotel do poeta e encontrou o pintor sul-africano na cama do amigo.

- Onde está Chris? – perguntou.

- Não direi a você – replicou o pintor. – Pode me bater, se quiser. Você é maior e mais forte e...

- Eu não quero bater em você – gritou Wainhouse.

Ocorreu-lhe então o quanto era ridícula a observação do sul-africano, uma vez que ele (Wainhouse) era muito mais baixo e franzino que o outro.

- Ouça, - disse finalmente – não saia daqui.

E correu ao café onde sabia que encontraria Trocchi.

Trocchi forçou o sul-africano a falar e a confessar que Christopher Logue partira naquela manhã para Perpignan, próximo à fronteira com a Espanha, doze horas ao sul de Paris, onde pretendia suicidar-se como o personagem do conto de Samuel Beckett publicado em Merlin e intitulado “The End”. Alugaria um barco e remaria para o largo, cada vez mais longe, depois abriria as saídas e afundaria lentamente.

Trocchi, pedindo emprestados 30.000 francos a Wainhouse, pegou o primeiro trem para Perpignan, cinco horas após Logue. Era noite quando chegou, porém, bem cedo na manhã seguinte, começou a busca.

Logue, entretanto, tentara alugar um barco, mas não tinha dinheiro suficiente. Levava consigo, além de cartas da ex-namorada, uma lata de veneno. Mas não tinha abridor, nem havia rochedos na praia, de modo que se pôs a caminhar, frustrado e frenético, até finalmente chegar a uma barraquinha de refrescos, onde esperava pedir emprestado o abridor.

Foi então que Trocchi o avistou e pousou a mão no seu ombro. Logue ergueu a vista, e perguntou casualmente, passando-lhe a lata de veneno:

- Alex, quer abrir isto para mim?

Trocchi guardou a lata no bolso.

- Alex! Que é que você está fazendo aqui?

- Ora, - replicou Trocchi, em tom leve – vim atrapalhar você.

Logue desatou a chorar, o outro ajudou-o a sair da praia e os dois voltaram em silêncio quase total a Paris, de trem.

Imediatamente, George Plimpton e vários outros da Paris Review, que gostavam muito de Logue e se orgulhavam de Trocchi, reuniram uma quantia para conceder ao poeta uma espécie de mesada. Mais tarde, Logue voltou a Londres e publicou livros de poesia. Suas peças Antigone e The Lily-White Boys foram representadas no Royal Court Theatre de Londres. Mais tarde ainda passou a escrever canções para The Establishment, show satírico representado numa boate londrina.

Após o episódio Logue, que, segundo George Plimpton, enviou pelo menos meia dúzia de jovens romancistas voando para suas máquinas, na tentativa de construir um livro baseado no episódio, a vida em paris e na Review voltou a ser feliz e devassa. Mas passado um ano, com a revista ainda vendendo bem, Paris lentamente pareceu estagnar-se.

John P.C. Train, então editor-gerente, colocou um aviso na caixa existente em sua mesa destinada a receber matéria, que dizia “Por Favor Não Coloque Nada na Caixa do Editor-Gerente”, e um dia em que um simpático rapaz de olhos azuis, nascido no Oaklahoma e chamado Gene Andrewski, surgiu com um manuscrito mencionando que colaborara para revistas humorísticas de seu colégio, John Train rapidamente ofereceu-lhe uma cerveja, dizendo:

- Que acha de dirigir esta revista?

Andrewski respondeu que ia pensar. Pensou alguns segundos, olhou em volta, viu todo mundo bebendo cerveja e concordou em tornar-se uma espécie de Assistente-de-Editor-Gerente-Encarregado-de-Fazer-o-Trabalho-de-Train. E explicou amis tarde:

- Aceitei o emprego principalmente porque queria liberdade.

Em 1956, Peter Duchin mudou-se para Paris, e passou a morar numa barcaça no Sena, onde muita gente da Paris Review começou a residir também. Não havia água na barca e pela manhã todos tinham que se barbear com Perrier. Mas qualquer tentativa de divertimento a bordo foi inútil porque a essa altura a maior parte da antiga turma já havia partido. Conforme sugeriu Gertrude Stein, Paris era o local ideal para os jovens de vinte e seis anos, mas a maioria já estava com trinta. Regressaram então a Nova York – mas não com a melancolia dos exilados de Malcolm Cowley na década de vinte, forçados a voltar para casa às primeiras ondas do crack da bolsa, e sim com a atitude de que a festa passaria ao outro lado do Atlântico. Breve Nova York percebeu a sua presença, particularmente a de Harold L. Humes.

Depois de alugar um grande apartamento na Broadway, onde passou a morar com a mulher, as filhas e um pelo-de-arame cabeludo, e instalar sete telefones e um grande cortador de papel que soava como a guilhotina do século XVIII, Humes lançou uma série de ideias e de feitos extraordinários: descobriu uma teoria da cosmologia que abalaria Descartes, terminou o segundo romance, tocou piano num clube de jazz do Harlem, começou a rodar um filme chamado Don Peyote, uma espécie de versão de Don Quixote em Greenwich Village, cujo protagonista era um desconhecido de Kansas City, Ojo de Vidrio, cuja namorada eventualmente se apoderou do filme, fugindo com ele. Humes inventou ainda uma casa de papel, uma verdadeira casa de papel impermeável, à prova de fogo e bastante espaçosa para nela se poder morar. Instalou um modelo em tamanho natural na propriedade da família de George Plimpton em Long Island e corporação de Humes, que incluía elementos da turma da Paris Review, segurou o cérebro de Humes por milhão de dólares.

Durante a Convenção Democrática Nacional em 1960, Humes conduziu uma falange de stevensonianos à cena, empregando a técnica dos exércitos atenienses. Regressando a Nova York, solicitou uma investigação da polícia e o delegado pediu então uma investigação sobre Humes – descobrindo quatorze multas de trânsito por pagar. Humes esteve na prisão o bastante para ser descoberto pela Comissária de Correções, Anna Kross, que ao reconhece-lo por trás das grades exclamou:

- Ora, Sr. Humes, que está fazendo aqui?

Ao que ele replicou com a frase de Thoreau a Emerson:

- Ora, Srta. Kross, que está fazendo aí fora?

Quando liberto após a fiança paga por Robert Silvers, outro editor da Paris Review, Harold Humes, indagado pelos repórteres sobre o que achara da prisão, respondeu novamente como Thoreau:

- Em tempos de injustiça, o lugar do homem honesto é a prisão.

Robert Silvers, um dos poucos editores tranquilos da Review, homem sem vícios aparentes, exceto o de fumar na cama, não encontrou onde ficar ao regressar de Paris, de modo que ocupou temporariamente o quarto de hóspedes do apartamento de George Plimpton, na Rua Leste 72, onde passou a queimar buracos no colchão, enchendo-os depois com caroços de pêssego. George Plimpton não protestou, Silvers era um velho amigo. Além disso, o colchão não pertencia a Plimpton e sim a uma modelo que morara por algum tempo no apartamento e que surpreendeu os dois editores escrevendo uma carta, certo dia, pedindo que remetessem o colchão para a sua casa, na França. Enviaram-no com buracos e tudo e, não tendo recebido queixas, acalentam com alegria a ideia de que em algum ponto de Paris, no apartamento muito elegante de uma modelo de alta moda, existe um colchão entulhado de caroços de pêssego.

Felizmente para Plimpton não foi preciso comprar novo colchão para o quarto de hóspedes, porque naquela época a Paris Review fora expulsa de seu escritório instalado num edifício de apartamentos da Rua 82. Plimpton levou então para casa a pequena cama que existia nos fundos da redação – local de tantas festas que estava reduzido a um amontoado de garrafas quebradas, colheres tortas, tortas, ratos e manuscritos roídos.

Após a expulsão, a redação nova-iorquina da Paris Review mudou-se para o tranquilo bairsso de Queens onde, num casarão entre o Grand Central Parkway e um cemitério, Lillian von Nickern Pashaian, quando não está cuidando de três filhos, canários e tartarugas, aceita manuscritos dirigidos à revista, remetendo-os para leitura a Jill Fox, em Bedford Village, Nova York, ou a Rose Styron, em Roxbury, Connecticut. Caso gostem do que leram, remetem o manuscrito ao apartamento de George Plimpton onde, entre outras atividades, ele faz uma leitura final e decide se deve ou não aceitar. Caso positivo, o autor recebe em geral um pequeno cheque e tem direito a beber o quanto quiser na próxima festa de Plimpton.

Tais festas são às vezes planejadas poucas horas antes de seu início. George toma o telefone e liga para algumas pessoas. Estas, por sua vez, ligam para outras. Num instante ouve-se o tropel de passos subindo a escada. O motivo pode ter sido a vitória de Plimpton numa partida de tênis jogada pouco antes no Racquet, ou no Clube de Tênis; ou então um componente da turma da Paris Review está lançando um livro (neste caso, o editor é convidado a partilhar as despesas), ou alguém acaba de chegar de viagem – viagem que talvez tenha levado John P.C. Train, consultor financeiro, à África, ou Peter Matthiessen à Nova Guiné, para viver com homens da Idade da Pedra, ou Harold Humes ao Bronx, para lutar no tribunal contra uma multa de estacionamento.

Dando tantas festas, distribuindo tantas chaves de seu apartamento, mantendo os nomes de velhos amigos no expediente da Paris Review muito tempo depois que deixaram de trabalhar na revista, George Ames tem conseguido conservar a turma reunida do decorrer de todos esses anos, criando também à sua volta um mundo romântico, livre, divertido, no qual ele e os amigos talvez consigam fugir temporariamente à inevitabilidade dos trinta e seis anos.

 Esse mundo transpira encanto, talento, beleza, aventura. É a inveja dos que não são convidados, particularmente algumas Apeteckers mães de família que moram nos subúrbios e criam filhos e que com frequência se perguntam: “Quando é que a turma vai assentar a cabeça”?.

Alguns elementos do grupo conservaram-se solteiros. Outros casaram com mulheres que gostam de festas – ou divorciaram-se. Outros ainda entraram num entendimento segundo o qual se a mulher está demasiada cansada para uma festa, o marido vai sozinho. É, em grande parte, um mundo masculino, ligado pelas recordações de Paris e da Grande Aventura que partilharam. São poucos os exilados, mas há alguns – um dos quais a bonita loura que povoava os pensamentos de todos em Paris, há dez anos passados – Patsy Mathissen.

Patsy e Peter divorciaram-se. Ela está agora casada com Michael Goldberg, pintor abstrato, mora na Rua Onze Oeste e circula no pequeno mundo dos intelectuais e pintores do centro da cidade. Recentemente esteve internada várias dias num hospital, mordida pelo cão da viúva de Jackson Pollock. No apartamento conserva uma caixa cheia de fotos da turma da Paris Review na década de cinquenta, mas recorda esse tempo com certa amargura.

- Depois de algum tempo, a vida inteira parecia desprovida de significado. E havia algo de muito manqué naqueles rapazes: indo para o oeste da África, passando pela prisão, lutando no ringue com Archie Moore... e eu era uma Faz-Tudo para a turma, preparava chá às quatro horas e sanduíches às dez...

A poucos quarteirões de distância, num apartamento pequeno e sombrio, outro exilado, james Baldwin, diz:

- Em pouco tempo deixei de fazer parte da turma. Viviam mais interessados em emoções e cigarros de haxixe do que. Já fizera tudo isso aos dezessete ou dezoito anos na Village e a essa altura me parecia meio chato. Costumavam também a ir Montparnasse, onde se reuniam todos os pintores e escritores e que eu raro frequentava. E ficavam horas e horas rondando os cafés à procura de Hemingway. Aparentemente não percebiam que Hemingway desaparecera há muito tempo.




Texto extraído do livro Aos Olhos da Multidão [Fame and Obscurity] por Gay Talese,
pela Editora Expressão e Cultura (1973).
Página 137 até 155

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